Nos últimos anos, termos como garantismo e punitivismo transbordaram do ambiente acadêmico para outras áreas da esfera pública, na mesma proporção em que o aparato punitivo começou a ser mobilizado, como nunca visto por esta geração, como arma disponível no embate político.
Para quem milita na academia e no sistema de justiça, dá aflição ver como ditas expressões, que já são especialmente problemáticas (problematizáveis, pelo menos) no ambiente acadêmico, produzem tanta confusão quando são tratados pela mídia tradicional, alternativa e influenciadores de todo gênero.
Já disse em outro lugar [1] que a academia jurídica não escapa dessa urgência (da ciência, em geral) de se debruçar sobre a própria forma de se comunicar com a sociedade e de disputar o sentido das coisas com outros discursos com pretensão de verdade, que se multiplicaram com o advento das mídias digitais e sobretudo das redes sociais.
Por enquanto, o que me ocorre para colaborar nessa tarefa é, primeiro, tentar traduzir da forma mais clara possível essas expressões, para que possam ser bem entendidas por qualquer leitor com um mínimo de boa vontade, ainda que sem (de) formação jurídica. Além disso, pretendo tentar identificar suas possíveis raízes, introjetadas na cultura popular e que se relacionam com as questões do “se” e do “porque” um ser humano deve ser castigado.
O Garantismo Penal de Luigi Ferrajoli [2], como se sabe, resulta de uma profunda revisão do direito penal construído no Iluminismo (e hoje positivado nas constituições ocidentais e documentos internacionais de Direitos Humanos). Todo o seu edifício teórico está claramente fundado na possibilidade de uma concepção racional de pena, que recusa a ideia de “fim em si mesmo”, isto é, de mera retribuição do mal, própria de sistemas mágicos e religiosos de solução de conflitos. Ao contrário, a sua fundamentação radicaria em sua utilidade para a pacificação social:…